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Violência Sexual: o silêncio que destrói infâncias

Vanessa  |   08/06/2022

A violência sexual se apresenta como um mal universal. Atinge crianças e adolescentes de todas as idades (0 a 18 anos), de ambos os sexos, com ou sem deficiências físicas ou intelectuais.

A violência sexual infantil ocorre com frequência bem maior do que podemos imaginar. Em média, a cada hora, quatro crianças e adolescentes são abusados no Brasil. Essa prática não é recente, muito menos vinculada a uma faixa etária, condição social, localização geográfica ou sexo da vítima. Uma rápida leitura de algumas matérias de jornais e revistas nos ilustra as situações de abusos e violações enfrentadas pelos personagens dessa triste realidade. O abuso sexual infantil tem se mostrado um fenômeno tão generalizado quanto devastador. Longe de representar casos isolados, o abuso infantil se apresenta como uma ameça constante, capaz de roubar infâncias, arruinar sonhos e gerar profundas sequelas em suas vítimas. As crianças e adolescentes de hoje são o futuro da nação, correto? A resposta só pode ser positiva, claro! Contudo, será que também podemos afirmar, com o mesmo grau de acerto, que o poder público, a sociedade e as famílias têm cuidado bem do nosso futuro? E o que nós estamos fazendo para proteger esses jovens? Diante de tais indagações, a presente cartilha tem por objetivo esclarecer questões relacionadas ao abuso infantil, tais como seus conceitos, de que forma pode ocorrer, quem são os envolvidos e como atuar de maneira preventiva, identificando seus sinais de alerta. A única forma de enfrentarmos de modo eficaz as graves violações de direitos das crianças e adolescentes é através do prévio conhecimento sobre o tema.

 

 

O que é violência sexual infantil? 

 

 

 

 

A violação sexual de crianças e adolescentes ocorre quando estes são utilizados como meio para satisfação de qualquer tipo de desejo ou finalidade sexual de adultos e adolescentes mais velhos, mesmo que não haja contato físico ou prática de ato sexual propriamente dito. Também está presente nas ações que visam, direta ou indiretamente, a corromper ou explorar a sexualidade dos infantes, independente de haver pagamento, finalidade de lucro ou permanência da(s) conduta(s). Um único ato, por mais simples ou sem importância que possa parecer no mundo adulto, pode representar uma violência sexual consumada! A vontade ou a permissão da criança ou adolescente em participar de atividades que violem sua dignidade sexual estão longe de significar um sinal verde para essas ações ou a exclusão dos crimes e demais ilícitos, pois, na condição de pessoas em desenvolvimento, elas não têm maturidade para consentir algo que está completamente fora do universo infantil. Aliás, muitas crianças sequer percebem a situação abusiva a que estão sendo submetidas, devido a sua pouca idade e condição de inocência. É comum chegarem à Justiça casos em que a criança ou o adolescente abusado não tinha compreensão da violência sexual ou não sabiam o que estava sendo feito com eles, até o momento em que o abusador é preso.

 

 

 

 

Violência sexual é gênero, do qual fazem parte duas espécies distintas, mas igualmente graves e preocupantes, que precisam ser prevenidas e combatidas a todo custo. A primeira delas é o abuso sexual, caracterizado por todas as ações que busquem a violação sexual de crianças e adolescentes, desrespeitem sua intimidade ou tenham por finalidade a satisfação sexual do abusador. Pode acontecer mediante indução (sedução, conquista, oferta de presentes, entre outros exemplos), assim como por meio de violência física, psicológica ou moral.

 

 

 

 

A segunda é a exploração sexual, consistente na utilização sexual de crianças e adolescentes para obtenção de lucro ou outra vantagem, que pode ser financeira ou de qualquer outra espécie. O jovem explorado é, na mesma situação, vítima dos dois tipos de violência, pois está sendo explorado por um indivíduo, que o trata como mercadoria, e abusado por outro. Ambas as situações são previstas como crimes graves pela legislação brasileira, com penas que podem chegar a 30 anos de prisão. Existem situações em que todos são capazes de reconhecer o ato abusivo, pois envolvem o contato físico com a vítima, tais como a prática de sexo, carícias e manipulação das partes íntimas da vítima, beijos lascivos e toques abusivos. Não custa ressaltar, porém, que o abuso pode ser praticado sem que a vítima seja tocada pelo abusador, bastando a exposição da criança a situações de caráter sexual/pornográfico.

 

 

 

 

Exemplos:

 

 

 

 

•Conversar com crianças e adolescentes sobre relações sexuais, buscando despertar o interesse do ouvinte para praticá-las;

 

 

 

 

•Exibir as partes íntimas ou, por qualquer maneira, fazer/induzir a criança ou adolescente a ver um adulto sem roupa;

 

 

 

 

•Observar as partes íntimas de crianças ou adolescentes, mesmo que estes não percebam o intuito libidinoso da observação;

 

 

 

 

•Fazer sexo ou praticar outro ato libidinoso na presença de criança ou adolescente;

 

 

 

 

•Filmar ou fotografar crianças e adolescentes em posições sensuais, ainda que vestidas; •Enviar mensagens a crianças e adolescentes (textos, fotos, áudios ou vídeos) com conteúdo obsceno ou provocador;

 

 

 

 

•Mostrar ou disponibilizar revistas, sites ou qualquer material pornográfico a crianças e adolescentes;

 

 

 

 

•Manter conversas de conteúdo impróprio, pessoalmente ou por aplicativos de troca de mensagens, e-mail, entre outros;

 

 

 

 

•Pedir, enviar ou receber fotos e vídeos de partes íntimas de crianças ou adolescentes, ou em que estas estejam em poses insinuantes; entre muitos outros atos.

 

 

 

 

A exploração sexual de crianças e adolescentes é considerada crime hediondo. A exploração pode ocorrer de quatro formas: prostituição, pornografia, redes de tráfico de pessoas e turismo com motivação sexual. Tal como a exploração sexual de crianças e adolescentes, a prática de atos libidinosos com menores de quatorze anos, em qualquer circunstância, é considerado crime hediondo, em razão de sua gravidade e dos danos que causa à vítima (todo envolvimento sexual com menor de 14 anos caracteriza estupro de vulnerável, com pena que varia de 8 a 30 anos de prisão).

 

 

 

 

Por que falar sobre violência sexual contra crianças e adolescentes?

 

 

 

 

Não é incomum encontrarmos o tema abuso infantil abordado nas redes de comunicação, o que pode passar a falsa impressão de que a violência sexual contra crianças e adolescentes corresponde a casos pontuais, rapidamente reconhecidos e enfrentados de modo eficiente. A realidade, entretanto, é bem diferente! De acordo com o Balanço Geral do Disque 100 (serviço telefônico de recebimento, encaminhamento e monitoramento de denúncias sobre violação de direitos humanos), entre 2011 e 2018 foram registradas 191.679 mil queixas de violência sexual infantil. Esse alarmante cenário passa a retratar uma verdadeira tragédia quando levamos em conta a enorme subnotificação existente (casos que não chegam ao conhecimento das autoridades). Se fizermos os cálculos com base nas estatísticas da Organização Mundial de Saúde (OMS), os 32 mil casos registrados no Brasil somente em 2018, na verdade, correspondem a 640 mil crianças violentadas. Não é por acaso que a violência sexual contra crianças e adolescentes é classificada como um grave problema de saúde pública no mundo inteiro. Em nosso país, cerca de 30% da população foi abusada sexualmente antes dos 18 anos, ou seja, mais de 60 milhões de brasileiros já foram ou estão sendo violentados. No entanto, poucos desses casos efetivamente chegam ao conhecimento de pais e responsáveis.

 

 

 

 

Menos ainda são denunciados à justiça para apuração e punição dos criminosos. Embora aconteça em milhões de famílias, a subnotificação se mostra como um dos grandes obstáculos ao combate desse tipo de violência sexual. A Organização Mundial de Saúde estima que apenas 01 em cada 20 casos de abuso chega ao conhecimento dos órgãos de proteção à infância. Logo, das 640.000 (seiscentas e quarenta mil) crianças e adolescentes violentados sexualmente em 2018 no Brasil, apenas 32.000 (trinta e dois mil) casos foram apurados. Isso significa que os outros 608.000 (seiscentos e oito mil) abusadores permanecem livres de qualquer punição e, o que é pior, livres para continuarem destruindo a infância de milhões de crianças e adolescentes ao longo de muitos e muitos anos. Mesmo com todas as campanhas publicitárias incentivando o combate à violência sexual contra crianças e adolescentes, a quantidade de casos demonstra que o enfrentamento realizado pelos órgãos de proteção e pela mídia ainda não produz o efeito desejado. Por este motivo, é fundamental trabalhar o tema de forma preventiva, conscientizando os adultos e esclarecendo as nossas crianças e adolescentes para que consigam reconhecer situações “estranhas” que tendem a evoluir para abusos e as próprias violações, evitando que tal violência aconteça ou mesmo se prolongue no tempo. É uma responsabilidade de todos prevenir e combater a violência sexual contra crianças e adolescentes. Um abusador identificado e punido, além de representar justiça para a vítima e sua família, pode salvar a vida de muitas outras crianças que seriam vítimas do mesmo crime.

 

 

 

 

Quem são as vítimas?

 

 

 

 

A violência sexual se apresenta como um mal universal. Atinge crianças e adolescentes de todas as idades (0 a 18 anos), de ambos os sexos, com ou sem deficiências físicas ou intelectuais. Muitos abusadores, inclusive, têm como vítimas preferenciais crianças com algum tipo de deficiência ou dificuldade em se expressar, porque essas condições dificultam a descoberta de seus atos e aumentam as chances de impunidade. Para a ocorrência de abusos são indiferentes também condições culturais, religiosas e socioeconômicas ou a etnia dos envolvidos. A ideia de que apenas meninas em fase pós-puberdade (normalmente a partir do 12 anos) podem ser alvo de abuso se mostra bastante errada, quando confrontada com as estatísticas oficiais.

 

 

 

 

Estima-se que a cada quatro meninas, pelo menos uma sofreu algum tipo de violência sexual na infância ou adolescência. Em relação aos meninos, as estimativas informam que um em cada seis foram abusados antes de completarem 18 anos. Transportando esses números para uma situação cotidiana, podemos visualizar o quanto essa estatística é preocupante. Imagine uma sala de aula com 40 crianças. Dessas, pelo menos 10 meninas ou 06 meninos já foram abusados sexualmente de alguma forma, ou seja, parte relevante de toda a sala de aula já foi, ou ainda está sendo vítima de violência sexual. Logo, tanto responsáveis por meninas quanto por meninos devem estar sempre atentos e vigilantes em relação a todos que se aproximam ou mantém contato com crianças e adolescentes. De fato, as meninas compõem a maior parte das vítimas de abuso, 63,4% do total. Todavia, as estatísticas também demonstram que quase 40% de todas as violações são praticadas contra jovens do sexo masculino. Em casos envolvendo meninos, devido ao tabu social da masculinidade, um número ainda menor de violações é denunciado, fazendo com que a vítima deixe de receber qualquer acompanhamento médico ou psicológico, servindo a impunidade de estímulo ao abusador para cometer novos crimes. Quanto a idade das vítimas, na maioria dos casos, a criança abusada tem menos de 10 anos de idade e acaba por não denunciar o agressor por medo ou incapacidade física de fazê-lo. Segundo o Boletim Epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde, 51% das vítimas de abuso sexual entre os anos de 2011 e 2017 tinha de 1 a 5 anos de idade.

 

 

 

 

Onde ocorre a violência sexual e quem são os abusadores?

 

 

 

 

A depender do contexto em que é praticado, o abuso sexual contra crianças e adolescentes é classificado em dois grupos distintos: intrafamiliar e extrafamiliar. A violação extrafamiliar refere-se aos casos em que o abusador não possui relação familiar com a vítima, podendo ser cometido por pessoas desconhecidas ou mesmo amigos da família, funcionários ou prestadores de serviço com acesso à criança, vizinhos, profissionais da escola onde a vítima estuda, entre outros. O abuso intrafamiliar, por sua vez, é assim caracterizado quando o autor dos atos abusivos possui laços familiares, sanguíneos ou afetivos, com a criança ou adolescente vítima. Ressalte-se que o conceito de família, para esses casos, abrange tanto a família natural, como a família extensa (aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade) e a substituta (tem o infante sob sua responsabilidade mediante guarda, tutela ou adoção).

 

 

 

 

Devido à nossa cultura social e familiar, é comum a ideia de que a violação praticada por pessoas da família representa exceção aos casos. O perigo, porém, pode estar dentro de casa! Essa falsa percepção contribui para o aumento de casos, pois os abusadores em potencial não são reconhecidos de imediato pelas vítimas e responsáveis, o que acaba por facilitar o acesso às crianças e, consequentemente, cria oportunidades de ficarem sozinhos com as vítimas para praticar a violência sexual. Estudos apontam que de 80% à 88% dos casos de violência sexual são praticados por familiares ou por pessoas muito próximas das crianças e adolescentes, e por quem eles nutrem certa confiança. Assim, lamentavelmente, é comum que o abusador seja pai/mãe, padrasto/madrasta, avós, tio(a), primo(a), padrinho/madrinha da criança. Em média, 04 (quatro) de cada 10 (dez) crianças vítimas de violência sexual foram abusadas pelo próprio pai.

 

 

 

 

Existe também a ilusão de que o abusador é sempre um homem adulto, de hábitos sociais reprováveis, isolado do convívio comunitário, um criminoso habitual (figura típica das manchetes policiais), pervertido, enfim, um “monstro” e “tarado de fácil identificação”. No entanto, isso está distante de ser a regra. Na maioria das vezes, a figura do paimãe de família provedor(a), homem ou mulher responsável, religioso, respeitável e acima de qualquer suspeita é exatamente o(a) criminoso(a) que violenta sexualmente crianças e adolescentes, quando estes estão desprotegidos, vulneráveis e sozinhos. É certo que, na maioria dos casos, o abusador é do sexo masculino (cerca de 81,6% quando as vítimas são crianças e cerca de 92,4% quando as vítimas são adolescentes).

 

 

 

 

Deve ficar claro, porém, que mulheres também podem assumir o papel de abusador. Até mesmo crianças maiores e adolescentes são capazes de praticar atos de abuso sexual, bastando que estejam em um estado psicossexual mais avançado que o da vítima. Embora não exista um perfil definido e rígido do abusador, a maioria deles vem de famílias disfuncionais, isto é, que vivenciaram problemas com uso de bebidas alcoólicas, drogas, violência doméstica, traumas emocionais, entre outros. De cada 10 abusadores, de 2 a 3 foram abusados sexualmente quando eram criança. Ao passo que, desse mesmo grupo, mais da metade foi vítima de maustratos físicos, geralmente combinado com abuso psicológico.

 

 

 

 

São pessoas, aparentemente, de bom comportamento, amáveis e até mesmo sedutoras. Apresentam dificuldades relativas à sexualidade e, quando não podem usar de violência física ou psicológica (com receio de serem presas) tentam conquistar as vítimas através de manipulação psicológica, elogios, presentes, oferta de dinheiro e outras vantagens. Outro traço comum dos abusadores é a multiplicidade das violações que praticam, ou seja, o criminoso violenta a mesma criança ou adolescente várias vezes e, sempre que têm oportunidade, fazem novas vítimas, enquanto não forem denunciados. Em vítimas de 0 a 9 anos o índice de repetição dos abusos é superior a um terço (35,6%), enquanto que em vítimas acima de 10 anos, a reiteração ocorre em quase metade dos casos (45,3%).

 

 

 

 

Merecem alertas os frequentes casos em que o genitor ou padrasto é o abusador, e encontram nas mães das vítimas conivência ou cumplicidade para a prática dos abusos, permanecendo omissas mesmo tendo conhecimento dos fatos, o que as tornam criminalmente responsável pela violência sexual praticada e sujeitas às mesmas penas.

 

 

 

 

Como agir ao tomar conhecimento ou suspeitar de um abuso?

 

 

 

 

Constatada uma situação de abuso ou de suspeita de violação sexual, a denúncia aos órgãos de proteção (Sistema de Garantias de Diretos – SGD) é a melhor forma de agir, pois é o modo mais efetivo de impedir que o abusador continue a praticar seus atos através da aplicação de medidas que garantem o afastamento imediato do(a) criminoso(a) e sua punição pela justiça.

 

 

 

 

ONDE DENUNCIAR:

 

 

 

 

•Conselho Tutelar

 

 

 

 

•Disque 100

 

 

 

 

•Órgãos e agentes da Assistência Social e da Saúde (Creas, Cras, Equipe da Saúde da Família, Agente de Saúde)

 

 

 

 

•Ministério Público

 

 

 

 

•Vara da Infância e Juventude

 

 

 

 

•Delegacia de Polícia

 

 

 

 

•Polícia Militar e Guarda Municipal